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08/06/2020
Corpus Christi 2020
Reconheçamos o Corpo de Cristo vivo no irmão que sofre

Foi preciso mudar a forma, mas a essência da celebração é a mesma
Neste ano, a celebração da Solenidade de Corpus Christi será realizada nas paróquias da nossa Arquidiocese. Nas paróquias de Goiânia, deve ser transferida para o domingo, dia 14, seguindo as recomendações do decreto governamental referente às medidas preventivas diante do atual quadro de pandemia. Já nas paróquias fora de Goiânia, poderá ser celebrada na quinta-feira (dia 11) ou no domingo, a critério dos padres.
A orientação da Arquidiocese é de que não sejam promovidas procissões com agrupamento de pessoas em ruas e outros locais. É importante que a Igreja, neste momento sensível da vida da sociedade, ofereça, de forma evangélica, um precioso testemunho da importância dos cuidados com a saúde (uso de máscara e álcool em gel, higiene das mãos e do rosto), observância das leis e orientações sanitárias, respeitando a proposta do distanciamento preventivo.
O Que é Celebrado
Corpus Christi é uma expressão originária do latim e, em tradução para o português, significa “Corpo de Cristo”. A celebração de Corpus Christi faz parte do calendário litúrgico da Igreja e sua criação remonta ao século XIII. No dia de Corpus Christi, celebra-se um dos princípios mais importantes do catolicismo: o Sacramento da Eucaristia. Esse sacramento é realizado como uma forma de relembrar a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. O pão, que é consumido, é o Corpo de Cristo, e o vinho ingerido é o Sangue de Cristo.
A celebração eucarística é uma referência à última ceia, realizada por Cristo com seus discípulos durante a Semana Santa, e à ordem de Cristo de compartilhar o pão e o vinho em sua memória. Professamos a fé no mistério da Eucaristia, quando ocorre a transubstanciação: os elementos (hóstia e vinho), após serem consagrados, transformam-se, em essência, na carne e no sangue de Cristo. A comemoração de Corpus Christi ocorre 60 dias após a Páscoa, na quinta-feira seguinte ao Domingo das Santíssima Trindade.
Sacramento da Eucaristia
Em sua homilia na celebração de Corpus Christi de 2019, o papa Francisco pregou sobre o Sacramento da Eucaristia. Vale a pena recordar e meditar sobre suas palavras:
“Diante da Eucaristia, de Jesus que se fez Pão, deste Pão humilde que contém a totalidade da Igreja, aprendamos a bendizer o que temos, a louvar a Deus, a abençoar e não a amaldiçoar o nosso passado, a dar boas palavras aos outros.
O segundo verbo é dar. Ao “dizer”, segue-se o “dar”, como no caso de Abrão que, abençoado por Melquisedec, “deu-lhe o dízimo de tudo” (Gn 14,20); como no caso de Jesus que, depois de pronunciar a bênção, dava o pão para ser distribuído, desvendando assim o seu significado mais belo: o pão não é apenas produto de consumo, mas recurso de partilha. De fato, na narração da multiplicação dos pães, surpreendentemente nunca se fala de multiplicar. Na verdade, os verbos usados são “partir, dar, distribuir” (cf. Lc 9,16). Em suma, não se destaca a multiplicação, mas a partilha. É importante: Jesus não realiza uma magia, não transforma os cinco pães em cinco mil, para depois dizer: “Agora distribuí-os”. Não. Jesus reza, abençoa aqueles cinco pães e começa a parti-los, confiando no Pai. E não se esgotam mais aqueles cinco pães… Isso não é magia, mas confiança em Deus e na sua providência.
No mundo, procura-se sempre aumentar os lucros, aumentar o volume de negócios... Sim, mas com que finalidade? É o dar ou o ter? O partilhar ou o acumular? A “economia” do Evangelho multiplica partilhando, alimenta distribuindo; não satisfaz a voracidade de poucos, mas dá vida ao mundo (cf. Jo 6,33). O verbo de Jesus não é ter, mas dar.
E a solicitação que Ele faz aos discípulos é categórica: “Dai-lhes vós de comer” (Lc 9,13). Tentemos imaginar os raciocínios que terão feito os discípulos: “Não temos pão para nós, e devemos pensar nos outros? Por que devemos dar-lhes de comer, se eles vieram para escutar o nosso Mestre? Se não trouxeram comida, voltem para casa, ou então deem-nos dinheiro e nós compraremos”. Não é que sejam errados estes raciocínios, mas não são os de Jesus, que não ouve razões: dai-lhes vós mesmos de comer. Aquilo que temos só produz fruto se o dermos (isto é o que nos quer dizer Jesus!); e não importa se é pouco ou muito. O Senhor faz grandes coisas com o nosso pouquinho, como no caso dos cinco pães. Ele não realiza prodígios com ações espetaculares, mas com coisas humildes, partindo com as mãos, dando, distribuindo, partilhando. A onipotência de Deus é humilde, feita apenas de amor; e o amor faz grandes coisas com as coisas pequenas. Assim no-lo ensina a Eucaristia: n’Ela, está Deus encerrado num bocado de pão. Simples e essencial, pão partido e partilhado, a Eucaristia que recebemos transmite-nos a mentalidade de Deus. E leva a darmo-nos, a nós mesmos, aos outros. É antídoto contra afirmações como “lamento, mas não me diz respeito”, “não tenho tempo, não posso, não é da minha conta”.
Na nossa cidade faminta de amor e solicitude, que sofre de degradação e abandono, perante tantos idosos sozinhos, famílias em dificuldade, jovens que dificilmente conseguem ganhar o pão e alimentar os seus sonhos, o Senhor diz-te: “Dá-lhes tu de comer”. E tu podes retorquir: “Tenho pouco, não sou capaz”. Não é verdade! O teu pouco é tanto aos olhos de Jesus, se não o guardares para ti, mas o colocares em jogo. E não estás sozinho: tens a Eucaristia, o Pão do caminho, o Pão de Jesus. Também nesta tarde, seremos alimentados pelo seu Corpo entregue. Se o recebermos com o coração, este Pão irradiará em nós a força do amor: sentir-nos-emos abençoados e amados, e teremos vontade de abençoar e amar, a começar daqui, da nossa cidade, das estradas que vamos percorrer nesta tarde. O Senhor passa pelas nossas estradas para dizer bem de nós e para nos dar coragem. A nós, pede-nos também para sermos bênção e dom.”
“Tocando a carne sofredora de Cristo no povo”
Chegará a hora em que todos poderemos ir à missa e comungar quando quisermos. Poderemos entrar em comunhão com a Santíssima Trindade, recebendo o Corpo e o Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Mas, no momento, somos chamados a comungar nossa dignidade de filhos de Deus com irmãs e irmãos descartados, desempregados, humilhados, submetidos a condições sub-humanas de existência, em desespero, por não conseguirem prover o sustento de suas famílias. Para esses irmãos, a covid-19 diminuiu ainda mais suas expectativas e perspectivas de vida.
Esse contexto acirra desafios civilizatórios já gritantes, como a fome, a corrupção e a violência, exigindo de nós, cristãos, um posicionamento urgente e coerente com a Doutrina Social da nossa Igreja, que é fundamentada no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“...eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A pandemia que estamos enfrentando fez crescer, ainda mais, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade social, que não conseguem suprir suas necessidades básicas ou correm risco de morrer por não conseguir atendimento médico adequado. Que sejamos sinal da presença de Cristo vivo em nossos ambientes de convivência, sendo misericordiosos, tornando-nos “referência em humanidade, em valores e práticas cristãs”, como exorta-nos o papa Francisco.
Os cristãos são instigados a viver na partilha, sem excluir ninguém, sendo atrativos pelo testemunho: “Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo” (Papa Francisco, 2013, p. 22).
Eliane Borges