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17/05/2021
Maria na História da Salvação
Ela não é o centro da nossa fé, mas ela está no centro da nossa fé

No dia 5 de maio, a Arquidiocese de Goiânia realizou a primeira, de uma série de lives que estão acontecendo neste mês, sobre temas marianos. “Maria na história da salvação” teve como entrevistado, o frei Jonas Nogueira da Costa, da Arquidiocese de Belo Horizonte, doutor em Teologia Sistemática com pesquisa em Mariologia. Mediou a conversa, Fernanda Freitas, jornalista do Vicariato para a Comunicação (Vicom) da Arquidiocese.
Frei Jonas respondeu a diversos questionamentos sobre o papel de Maria na história da salvação. Critério da eleição de Nossa Senhora, indicativos para a aproximação da espiritualidade mariana, Maria na Bíblia, intercessão, estão entre os principais temas abordados.
Confira abaixo os principais pontos da entrevista que também podem ser assistidos na íntegra, no instagram da Arquidiocese de Goiânia.
Entrevista
Como nós católicos podemos nos aproximar da espiritualidade mariana por meio de obras literárias? Como podemos crescer na piedade a Maria?
O primeiro caminho que nós temos são as Sagradas Escrituras. Ali estão as fontes da nossa fé, as bases da nossa compreensão, da centralidade de Jesus na história da salvação, inclusive irradiando essa centralidade da salvação para o Antigo Testamento. É o primeiro ponto que nós tomamos como a base da nossa salvação na literatura bíblica. É tanto que, quando falamos da literatura, um dos documentos mais importantes que nós temos de Mariologia, depois do capítulo oitavo da Lumen Gentium, é a Marialis Cultus do papa Paulo VI, e esse documento é muito interessante. Ele vai dizer para todos nós da importância do cunho bíblico que a devoção mariana precisa ter. O culto a Maria precisa estar muito bem centrado dentro da leitura bíblica, então nós só podemos falar de devoção a Maria quando estamos muito bem plantados nesse chão da leitura bíblica, da tradição dos nossos pais que nos legaram as Sagradas Escrituras.
Qual foi o critério da eleição de Nossa Senhora?
Maria não é o centro da nossa fé, mas ela está no centro da nossa fé, justamente pela forma como ela se relaciona com as pessoas divinas. Filha do Pai, ela vive no caminho das santas mulheres do Antigo Testamento, na obediência, na devoção judaica em que ela estava muito bem plantada, muito bem enraizada e é mãe do Verbo. Maria é a garantia da salvação para todos nós. Então, se falarmos: qual é a maior prova da humanidade de Deus? É a mãe. Ela nos garante que aquela criança (Jesus) é verdadeiramente humana, mas nesse mistério, pela concepção virginal, verdadeiramente divina dada a todos nós, é templo do Espírito Santo. Quando nós contemplamos Maria, templo do Espírito Santo, ela é o lugar em que o mistério de Deus se faz presente. Ela é o lugar sagrado da presença do Espírito Santo. Alguns santos usam o termo da transparência, sobretudo os teólogos. Eles falam que vemos o Espírito ao olhar para Maria. Ela não é o Espírito Santo evidentemente, mas na sua santidade, vendo o que Deus fez nela, ela nos revela na grandeza do Espírito.
Como Nossa Senhora foi esposa? É bom a gente entender isso porque o projeto da salvação perpassa por ela também.
Esse tema “esposa” é fantástico porque nós estamos vivendo o Ano de São José. Então resgatar esse lugar de Maria esposa é muito importante. Quando pensamos nessa relação de Maria como esposa ao lado de José, é verdade que nós temos poucos elementos que falam sobre isso, mas o mais importante e o papa sublinha isso muito bem na sua carta em que proclama os 150 anos de São José Patrono da Igreja, que São José é o homem que não é descentralizado. O centro da vida dele é Jesus, é Maria. Então quando nós olhamos Maria como esposa, ela com José ao redor de Jesus, isso mostra um convite para todos nós: nós devemos sair de nós mesmos e procurar o Senhor Jesus nos sacramentos, na Palavra, no rosto do pobre que clama por justiça. Nesse tempo de pandemia, o rosto de Jesus está nas vítimas da covid-19 e São José, esposo de Maria, vai nos ajudando junto com a mãe do Senhor a contemplar a face de Jesus. O Verbo se fez carne e a salvação nos foi dada no coração de uma família. Isso traz uma dignidade infinita para todas as nossas famílias.
O Verbo se fez carne. A partir daí começa a nossa história de salvação ou antes disso?
O termo “história da salvação” tem dois sentidos. Um primeiro sentido é amplo. A história da salvação é, desde o primeiro homem e da primeira mulher que tomam consciência de si mesmo até a parusia, até o último dia. De modo amplo, a história da salvação tem o Cristo como coração da história, o Senhor da história traz a história nas mãos. Mas, em sentido estrito, a história da salvação são as Sagradas Escrituras que narram os eventos salvíficos de Deus, desde a criação, passando pela libertação do seu povo e toda a história salvífica do Antigo Testamento, até chegar ao cume da revelação que é Jesus Cristo. Então, de novo Maria, onde ela está na história da salvação? Nós a vemos a partir de imagens do Antigo Testamento que nós chamamos de prefigurações, até a sua entrada na história dentro de uma família, se fazendo família com São José, acolhendo o mistério da encarnação.
Maria, em toda a sua simplicidade, assumiu a postura de serva. Ela foi concebida sem o pecado original, mas ela serviu para dar à luz ao filho de Deus. O projeto de salvação onde se encontra Maria, se encerra aí também?
A pontuação que você faz lembrando do “serva” é muito boa porque a gente explora muito pouco, mas a imagem da Maria serva de Deus denota a total disponibilidade dela, denota esse coração simples, humilde, mas ao mesmo tempo é um título de honra porque se nós olharmos as grandes figuras do Antigo Testamento, Moisés por exemplo, se entende servo de Deus. Maria se entende honrada pela sua escolha da maternidade divina e não quis ter vida de rainha. Tanto, que ela não pede nada na anunciação, absolutamente nada. Ela só fala “sim, eu quero. Eis-me aqui. Eu sou serva”. Então ela se lança na história da salvação, mas termina ali? Não. É muito bonito, no prefácio da Assunção de Maria e isso aparece em outros documentos da Igreja também, quando fala que Maria subindo ao céu, não nos abandonou, mas ela continua caminhando conosco na comunhão dos santos, na intercessão por cada um de nós, ela é verdadeiramente a nossa companheira de estrada, nossa mãe, nossa intercessora. Edith Stein usava uma expressão muito bonita: Ela falava que Maria é aquela que nos dá a mão, que caminha junto com a gente. Eu gosto muito dessa imagem. Isso é de uma delicadeza muito grande, mas ao mesmo tempo mostra para nós que ela, enquanto mestra, nos ajuda a alcançar o objetivo que é o Senhor Jesus, ela nos conduz ao Senhor Jesus.
Há pouquíssimas citações de Nossa Senhora nos evangelhos. Por que, se ela é a mãe de Deus?
De fato, em termos quantitativos, nós temos poucas informações sobre Maria, mas os lugares onde estão essas informações são aquilo que nós falamos que são de uma densidade teológica muito grande porque a Virgem Maria está na encarnação do Verbo, na infância, sobretudo, naquilo que nos é narrado nos capítulos 1 e 2 dos evangelhos de Mateus e de São Lucas. Depois encontramos alguns pontos de Maria no ministério público de Jesus, na leitura singular de João que difere dos textos sinóticos de Maria aos pés da cruz e, depois, nós encontramos Maria com a Igreja em oração. Então, se olharmos o percurso que Maria se encontra dentro dos textos da Sagrada Escritura, de fato, numericamente são poucos, mas são de uma densidade muito grande. A gente até brinca que a densidade compensa os lugares em que ela aparece e as poucas vezes que ela é citada.
Como ela pode nos ajudar a dizer o “sim” nas grandes e nas pequenas coisas?
Eu lembrei agora da Salve Rainha, do vale de lágrimas. Aquela imagem do cemitério do Amazonas me acompanha a mente. Aquele mundo de covas abertas, aquela coisa grandiosa demais e doída demais. Aquela imagem me remete ao vale de lágrimas que nós estamos vivendo, das inúmeras pessoas falecendo de covid-19, as consequências psicológicas e econômicas que estão implicando, e isso me vem o convite de olhar para o céu, porque as vezes começamos a rezar “Salve Rainha Mãe de Misericórdia, vida doçura esperança nossa [...]” Então, eu creio firmemente, que a grande mensagem que nós temos hoje, em tempos tão difíceis, é que Maria é vida, é doçura em tempos tão difíceis. Quando nós falávamos da imagem de Maria que nos ajuda a recuperar o equilíbrio, eu creio também que diante de tempos tão difíceis em que nos são exigidas muitas coisas, ela nos traz vida, doçura, nos traz esperança.
A live foi encerrada com a Oração Salve Rainha. A segunda live com o tema “As diversas formas de devoção mariana”, aconteceu no dia 13 de maio. O entrevistado foi o missionário redentorista, irmão Diego Joaquim.
Fúlvio Costa