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11/11/2022
“Bem-aventurados os que têm um coração de pobre...”

Para os cristãos, falar do pobre e da pobreza sempre causa alguma estranheza ou constrangimento. Seja porque a presença do pobre se configura como uma denúncia das injustiças e desigualdades sociais, seja porque não há como dizer algo sobre o pobre com completa isenção de responsabilidade sobre a sua condição. De uma forma ou de outra, as injunções sociais denotam que somos todos corresponsáveis pelas injustiças sociais, mesmo quando por omissão. Assim, a palavra pobre possui um destacado acento interpelativo para todos.
Jesus, em sua pregação, não hesitou em falar dos pobres e nem com os pobres. Seu estilo de vida, marcado pelo despojamento e pela itinerância, indicam que ele se identificava com os mais pobres e sua missão os tinha como destinatários do anúncio da Boa-Nova: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres” (Lc 4,18a). Algumas vezes chega a apresentá-los como referências para a vivência da verdadeira fé. Recorde-se, por exemplo, o elogio de Jesus à viúva pobre, que depositou no cofre do templo duas moedinhas (cf. Lc 21,1-4). Para o Senhor, aquela mulher pobre deu mais do que todos os outros.
Dos diversos ensinamentos de Jesus acerca do pobre, destaca-se o discurso das bem-aventuranças, registrado com diferenças por Mateus e Lucas. Segundo o Evangelho de Mateus, a primeira das bem-aventuranças enuncia: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). Alguns preferem traduzir o original grego por “Bem-aventurados que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos Céus”. Sem entrar no debate sobre qual a tradução mais exata, o que salta aos olhos é que Jesus começa a falar da felicidade ou da bem-aventurança apresentando uma perspectiva inusitada para seus ouvintes e, também, para nós: a alegria de ser pobre. Em todos os tempos esse ensino de Jesus contrasta com o desejo humano de possuir sempre mais. Em nossa cultura contemporânea, capitalista e consumista, um anúncio como esse de Jesus parece figurar como totalmente descontextualizado.
O Evangelho de Lucas faz um registro diferente. Às bem-aventuranças estão associados quatro “ais” de Jesus. Se em Lc 6,20 Jesus diz “Bem-aventurados vós, os pobres, pois vosso é o Reino de Deus!”, em Lc 6,24 Jesus diz “Mas, ai de vós, ricos, pois já tendes a vossa consolação!” De fato, o terceiro evangelista evidencia não só a diferença, mas a oposição entre ser pobre e ser rico. De modo mais acentuado, essa oposição aparece na parábola do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16,19-31). É escandalosa a indiferença do rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e dava festas esplêndidas todos os dias, em relação ao pobre Lázaro, que, cheio de feridas, esperava à porta para ter com o que matar a fome. O rico, inominado, parece sem coração, pois porta-se de modo insensível. Lázaro é, simplesmente, o pobre.
Sem idealizações da pobreza, Jesus traz essa Boa-Nova incômoda: a alegria de ser pobre. De fato, um dos maiores desafios de viver a radicalidade evangélica está no desprendimento e no esvaziamento. Ao longo da história do cristianismo haverá movimentos diversos para recordar e retomar o sentido original desse estilo de vida inaugurado por Jesus. Lembremo-nos de Francisco, o “poverello” de Assis, cujo ideal de vida pobre, a partir de Jesus, continua inspirando gerações. Lembremo-nos, também, de outro Francisco, o de Roma, que retomou o sonho de São João XXIII e tem nos desafiado a ser uma Igreja pobre e para os pobres.
Trecho do livro “Diakonia da Palavra”, de Dom João Justino de Medeiros Silva. (2.10.2020).
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