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08/09/2023

Os gritos do povo brasileiro

Os gritos do povo brasileiro - Palavra do Arcebispo - Arquidiocese de Goiânia

O dia 7 de setembro é a data em que é celebrada a Independência do Brasil, até então colônia de Portugal. Registram os anais que no dia 7 de setembro de 1822, às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, Dom Pedro I proclamou a separação do Brasil do reino colonizador com o grito “Independência ou morte!” É muito significativo que a referência brasileira para falar de sua independência passe pela expressão “grito”, que é uma exclamação sonora forte para chamar alguém, pedir socorro, exprimir dor ou anunciar algo novo. Um brado chama a atenção de quem o escuta. Da parte do sujeito que grita está o interesse ou a urgente necessidade de ser ouvido. Da parte do ouvinte, a possibilidade de voltar a atenção para quem gritou e para decodificar a mensagem emitida.

 

Gritos são ecoados a todo momento. Nossos olhos se abrem para a história simultaneamente ao grito do primeiro choro, reação natural ao contato primeiro com o ambiente externo ao útero da mãe. Para o recém-nascido é um grito que expressa dor e vida. Para os pais, é um grito que arranca lágrimas de alegria pelo nascimento da prole. Quantos outros gritos cada pessoa dará ao longo de sua vida? E por quais motivos?

 

No Brasil, país marcadamente desigual, os gritos têm um forte teor social. Gritam os vendedores ambulantes e os feirantes, expondo seus produtos na esperança de comercializá-los. Gritam as torcidas, ora incentivando os jogadores ora provocando os adversários. Gritam os pregadores, entusiasmados, acreditando que a força da palavra de Deus se confunde com os decibéis de seus aparelhos de som. Gritam as diferentes classes de trabalhadores em protestos por melhores condições de trabalho e de justiça nas relações trabalhistas. Gritam mães e pais nas portas dos presídios em motim, aguardando desesperados as listas dos presos mortos. Aqui e acolá alguém grita com o outro na tentativa de convencer ou, até mesmo, como expressão de ódio e de agressão.

 

 Alguém me perguntou: “Senhor bispo, por que o senhor vai participar do Grito dos Excluídos?” Sim, vou participar como pessoa, como cristão, como bispo católico. E não poderia deixar de participar, somar minha voz à voz dos excluídos e excluídas. Toda vez que uma pessoa humana é ferida, somos todos feridos. Outro comentou: “Não somos excluídos, o amor de Deus engloba a todos”. Pura verdade que o amor de Deus engloba a todos. Mas nós ainda não amamos como Deus ama. Somos também pessoas excludentes. Oxalá estar com os mais excluídos nos sensibilize para romper com comportamentos de indiferença aos irmãos e irmãs cuja dignidade humana é desrespeitada e ofendida.

 

Então, lembrei-me do que disseram os bispos da América Latina e do Caribe em Aparecida no ano de 2007. Aquelas palavras dos parágrafos 64 e 65 permanecem muito atuais. Confira:

 

“... sentimos um forte chamado para promover uma globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos, fazendo da América Latina e do Caribe não só o Continente da esperança, mas também o Continente do amor, como propôs SS. Bento XVI no Discurso Inaugural desta Conferência. Isto deveria nos levar a contemplar os rostos daqueles que sofrem.

 

- Entre eles estão as comunidades indígenas e afro-americanas que, em muitas ocasiões, não são tratadas com dignidade e igualdade de condições;

- muitas mulheres são excluídas, em razão de seu sexo, raça ou situação sócio econômica;

- jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir uma família;

- muitos pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem-terra, aqueles que procuram sobreviver na economia informal;

- meninos e meninas submetidos à prostituição infantil ligada muitas vezes ao turismo sexual;

- também as crianças vítimas do aborto. Milhões de pessoas e famílias vivem na miséria e inclusive passam fome.

- Preocupam-nos também os dependentes das drogas, as pessoas com limitações físicas, os portadores e vítimas de enfermidades graves como a malária, a tuberculose e HIV – AIDS, que sofrem a solidão e se veem excluídos da convivência familiar e social.

- Não nos esqueçamos também dos sequestrados e aqueles que são vítimas da violência, do terrorismo, de conflitos armados e da insegurança na cidade.

- Também os anciãos que, além de se sentirem excluídos do sistema produtivo, veem-se muitas vezes recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis.

- Sentimos as dores, enfim, da situação desumana em que vive a grande maioria dos presos, que também necessitam de nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna.

 

Uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: da exclusão social. Com ela o pertencimento à sociedade na qual se vive fica afetado, pois já não se está abaixo, na periferia ou sem poder, mas se está de fora. Os excluídos não são somente ‘explorados’, mas ‘supérfluos’ e ‘descartáveis’” (Documento de Aparecida, nºs 64 e 65).

 

Os cristãos também gritam em favor da justiça e da paz. A eles se somam tantos homens e mulheres de boa vontade. Essa atitude pode parecer uma contradição. A justiça e a paz poderiam ser alcançadas “no grito”? Certamente esse não é o melhor caminho. No entanto, quando queriam calar a voz dos discípulos, Jesus não hesitou em dizer: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Nestes tempos de exclusão, obscurantismos, retrocessos, aumento da desigualdade social é necessário e legítimo gritar, pois queremos independência e vida. Queremos liberdade e dignidade.

 

Peço a Deus que nossa Arquidiocese assuma a causa dos mais pobres e trabalhe com ardor para que a fraternidade ensinada e sonhada por Jesus Cristo, Nosso Senhor, cresça entre nós. Trabalhemos por isso. Oremos por isso.

 

+ João Justino de Medeiros Silva

Arcebispo Metropolitano de Goiânia

7 de setembro de 2023

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