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17/07/2018

Quando a razão sai de moda, vale tudo, desde que esteja no contrato

Pe. Luiz Henrique Brandão de Figueiredo Reitor do Seminário Menor Arquidiocesano São João Paulo II

Quando a razão sai de moda, vale tudo, desde que esteja no contrato - Vida Cristã - Arquidiocese de Goiânia

Se olharmos para a história da humanidade, a partir da cultura grega clássica, é possível criarmos uma linha que liga diversos homens, começando com Sócrates até outros dos dias atuais. Essa linha forma o que poderíamos chamar de história do pensamento filosófico. Aqueles pensadores que podem ser associados a essa história têm em comum uma espécie de projeto baseado na busca do conhecimento fundado na razão. Por isso, podemos dizer que todos os filósofos que contribuíram com esse projeto expressam a confiança na capacidade da razão de conhecer a verdade, à qual todos os homens estão submetidos.

Ao longo dos tempos, as diversas culturas que foram influenciadas pelo pensamento desses filósofos, com base no conhecimento racional da verdade, chegaram igualmente ao conhecimento de valores objetivos e universais capazes de promover a vida humana e levá-la, paulatinamente, à sua plenitude. Dentro desse contexto, as leis promulgadas deveriam garantir que tais valores fossem transmitidos para as gerações futuras e por elas vividos, guardados e promovidos. Em suma, pode-se estabelecer uma espécie de sequência lógica: da confiança na capacidade da razão se chega ao conhecimento de valores que, por sua vez, são a base para a promulgação das leis, que passaram a ser ulteriormente codificadas.

Tudo isso funcionou muito bem até o século XVI. A partir de então, pela influência de uma série de outros pensadores, o homem parece ter se convencido de que sua razão não era capaz de conhecer a verdade. Como consequência, passaram a crer que não era possível falar de valores universais e imutáveis que justificassem a existência de leis pétreas que os transmitissem, promovessem e salvaguardassem de uma geração para a outra. Por causa de tudo isso, a cultura ocidental passou a ser marcada pela ideia de que a vivência plena da vida humana não estaria vinculada a valores universais e imutáveis conhecidos racionalmente. Surgiu então a pergunta: se valores objetivos e universais não podem ser conhecidos racionalmente e, por conseguinte, não existem leis pétreas, em que deveriam se basear as escolhas individuais e de uma sociedade? Muitos modelos éticos foram propostos como tentativa de resposta a essa questão. Os dois mais importantes são o modelo subjetivista ou liberal-radical e o modelo pragmático-utilitarista.

O modelo subjetivista ou radical-liberal afirma que as escolhas não poderiam se fundar nem sobre fatos nem sobre valores objetivos ou transcendentes, mas apenas sobre a escolha autônoma absoluta do sujeito, entendida como liberdade de qualquer imposição heterônoma de valores e leis. Portanto, seria lícito e bom, o que fosse livremente querido, aceito por cada homem e que não ferisse a liberdade do outro, único limite da liberdade pessoal. Já o modelo pragmático-utilitarista afirma que as escolhas deveriam estar fundadas no cálculo das suas consequências, tendo como base a relação do custo/benefício de cada ação. Essa relação de custo/benefício, por influência do hedonismo e do pragmatismo, deveria ser entendida como o cálculo entre o que é desagradável e o que é agradável para cada sujeito. Esse modelo acaba por defender, portanto, três exigências: maximizar o prazer, minimizar a dor e tudo o que é custoso e ampliar a esfera da liberdade pessoal. Seria bom o que oferecesse o máximo de prazer individual, alcançado pela livre escolha com o mínimo de esforço.

Como consequência desses dois modelos, passou-se a exaltar a ideia de que o sujeito seria absolutamente autônomo e deveria buscar, em cada uma das suas escolhas, o máximo do prazer pessoal com o mínimo custo. Como cada homem seria livre e a liberdade deveria ser entendida como a autonomia absoluta do sujeito ante a qualquer elemento externo a si mesmo, qualquer autoridade que não seja o próprio “eu” e qualquer ordem objetiva da realidade que não seja o próprio desejo, a liberdade passou a ser entendida como “fazer o que se quer” e cada ser humano livre se torna “deus de si mesmo”. Mas se todos são uma espécie de deus e o “ego” de cada um deveria poder expandir-se absolutamente, a vida em sociedade passa a ser uma guerra dos deuses, um conflito constante de “egos” em expansão absoluta e ilimitada. Uma verdadeira tragédia!

Para tentar resolver essa tragédia, que começou com a negação da capacidade da razão humana de conhecer a verdade e, por isso, de conhecer valores objetivos e imutáveis que justifiquem leis pétreas, é que nasceu o que podemos chamar de “contratualismo ético”. Resumidamente, ele consiste em determinar, por meio de um contrato estabelecido por quem detém o poder legislativo, o que se pode e o que não se pode fazer, de modo que isso garanta, ainda que minimamente, a convivência entre os homens sem que eles se destruam mutuamente. Como não há a convicção da existência de valores racionalmente conhecidos, aos quais todos devem se submeter, não existe referência objetiva de bem e de mal, mas um contrato ético estabelecido com base na vontade dos legisladores que determinam, em forma de positivismo jurídico, o que seria bom ou mal relativo a uma sociedade de um determinado tempo e, fundado nisso, criam leis com o objetivo de manter a ordem da sociedade. Como a “fonte” das leis não são os valores, mas os legisladores, mudando quem ocupa essa posição, eles poderiam mudar o contrato. Isso poderia ser feito, na melhor das hipóteses, segundo as necessidades, mas também, na pior delas, por sua própria vontade ou por influência de quem faz o lobby ideológico e/ou monetário.

Para vermos na prática o que foi descrito, tomemos, por exemplo, o caso do aborto. Em quase nenhum dos debates se faz uma pergunta sobre quais valores fundamentais estão em jogo nessa questão; se eles podem ser desconsiderados; se o bebê concebido é ou não uma pessoa que tem direitos que não podem ser usurpados ou alienados; se é razoável praticar o aborto. Seguindo as notícias sobre o debate em torno desse tema, vemos que os argumentos para defender a legalização do aborto são típicos dos modelos éticos acima apresentados e tudo deve ser resolvido por meio de um contrato. Alinhados com o modelo liberal-radical, os defensores afirmam: “a mulher deve ser livre para fazer o que quer com o seu corpo”; “ela não pode ser obrigada a ter um filho que não quer”; “meu corpo, minhas regras” etc. Por outro lado, em consonância com o pragmatismo, sobretudo nos casos extremos de bebês com má formações, afirma-se: “devemos evitar o sofrimento da mãe que verá o seu filho nascer e morrer”; “um bebê não merece esse sofrimento” etc. A solução contratual, então, leva as pessoas a pressionarem o legislativo para que a lei seja mudada (mudar o contrato) e, se isso não é feito, alguns membros do judiciário são pressionados a (ou por si mesmo querem) reinterpretar a lei de modo que ela seja completamente distorcida e favoreça a legalização do aborto. Basta lembrarmos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442) ajuizada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).  

Sem a convicção da capacidade da razão em conhecer a verdade e determinar valores universais e objetivos que dão fundamento às leis, infelizmente o que sobra é esse contratualismo ético. E, no meio de toda essa celeuma, não é raro ver o poder legislativo promulgando leis sem ter por base um valor verdadeiramente humano e racionalmente conhecido, simplesmente, por pressão de uma minoria que joga por meio do lobby monetário e ideológico. Também não é raro ver membros do judiciário interpretando os códigos de leis segundo um parecer infundado do ponto de vista axiológico, subvertendo, inclusive, a própria competência, que é judiciária, e usurpando o poder legislativo.

Quando a convicção na capacidade da razão de conhecer a verdade e valores que dão fundamento objetivo às leis sai de moda e o que nos sobra é somente o contratualismo ético, então, parece que vale tudo, desde que esteja no contrato.

 

 

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